Risco de crise constitucional na Colômbia.
O presidente do país, Gustavo Petro, assinou nesta quinta-feira (12/06) um polêmico decreto de consulta popular, duramente criticado pela oposição e por juristas, que alegam que a medida "enfraquece a separação entre os poderes".
Atualmente, o Congresso colombiano debate projeto de reforma das leis trabalhistas, e a assinatura do decreto por Petro eleva a tensão entre os poderes em um momento especialmente sensível.
O decreto será analisado agora pela Corte Constitucional, que decidirá se a consulta é válida.
A assinatura de Petro acontece após uma semana tensa na Colômbia, marcada pela polarização política a menos de um ano de novas eleições, e pelo atentado contra o senador e pré-candidato à Presidência, Miguel Uribe Turbay, que permanece internado em estado gravíssimo após ser baleado no último sábado (07/06).
Em maio, o Congresso colombiano rejeitou a proposta original de consulta popular apresentada por Petro. Alegando irregularidades, o presidente afirmou que a decisão do Senado não era válida e, por isso, ele poderia autorizá-la por conta própria.
Juristas e especialistas consultados pela BBC Mundo — serviço em espanhol da BBC — afirmam que não cabe ao presidente agir sobre uma votação do Senado, e que isso é papel do Judiciário.

Seguidores de Petro têm mostrado apoio à consulta popular nas ruas da Colômbia,
Horas antes do anúncio do decreto, o ministro do Interior, Armando Benedetti, disse que, caso o Congresso aprove a reforma trabalhista até 20 de junho — data-limite antes do recesso parlamentar —, o decreto seria automaticamente revogado.
Após a assinatura do decreto, Benedetti explicou que o documento foi formalizado nesta quarta-feira porque o prazo legal pra fazê-lo se encerrava na quinta.
"O presidente confia no Senado e nos acordos que possam ser firmados para restaurar os direitos trabalhistas da classe trabalhadora", destacou o ministro.
O chamado "decretaço" representa o capítulo mais grave do confronto entre Petro e o Congresso, que já dura praticamente desde o início do mandato do presidente, em agosto de 2022.
Petro, o primeiro presidente de esquerda da história da Colômbia, chegou ao cargo com grandes ambições de mudança, mas a maioria de suas reformas não se concretizou por falta de consenso no Legislativo.
Agora, com o decreto, ele desafia diretamente o Congresso e, para os críticos, ameaça romper a ordem institucional.
'Uma linha vermelha'
Os seguidores mais fervorosos de Petro, tanto nas ruas quanto dentro de seu partido, apoiam a medida por acreditarem que ela é necessária para promover as mudanças que o país exige — hoje marcado pelo conservadorismo político, alta informalidade no mercado de trabalho, baixa produtividade e longas jornadas de trabalho.
Contudo, juristas e analistas consideram o decreto um movimento perigoso por parte do presidente.
"O decreto anunciado, que convoca uma consulta que já tinha sido rejeitada pelo Congresso, é uma violação clara da Constituição.
O Executivo não pode anular atos do Congresso. Esse papel é do Judiciário", afirmou dias atrás, em uma postagem no X, Humberto de la Calle, especialista em Direito Constitucional, com ampla experiência em outros governos e peça importante na última reforma constitucional da Colômbia, em 1991.
Entre os argumentos apresentados por Petro e seus aliados para considerar inválida a votação do Senado estão: o fato de terem sido registrados 96 votos quando havia 97 congressistas presentes, a duração atípica da votação, que durou apenas 10% do tempo normal, e a suposta desconsideração da mudança de um dos votos, entre outros fatores.

Os seguidores de Petro reagiram à votação do Congresso que rejeitou a consulta popular para reformas trabalhistas
Os argumentos são considerados insuficientes por analistas consultados pela BBC.
"A posição de Petro é muito contestável juridicamente e não convence a maioria dos juristas. Dá impressão de que ele está avançando de uma forma muito precipitada em seu confronto com o Congresso", disse Yann Basset, cientista político da Universidade de Rosário, na Colômbia.
Os especialistas entrevistados concordam que, independentemente de o Congresso aprovar ou não a reforma trabalhista, e o decreto ser automaticamente revogado, a consulta popular assinada por Petro tem futuro limitado.
"Está claro que vai ser anulada, porque é preciso comprovar que todos os vícios de inconstitucionalidade denunciados por Petro realmente ocorreram. Penso que será derrubada pela Corte Constitucional por seus próprios méritos", explica Laura Bonilla, subdiretora da Fundação Paz e Reconciliação.
Vários especialistas na Colômbia acreditam que o "decretaço" é uma estratégia de Petro para pressionar o Congresso a acelerar a aprovação das reformas, enquanto o tempo do governo se esgota, tendo em vista as eleições de 2026.
Da mesma forma, analistas também destacam que há "uma linha vermelha perigosa", que foi ultrapassada por parte do presidente.
"Ainda que ele respeite a decisão da Corte, isso é problemático no que diz respeito à separação de poderes e escalada do conflito. Em plena pré-campanha, há uma radicalização do presidente que pode gerar um efeito institucional grave", afirma Basset.
Em todo caso, será da Justiça a palavra final, independentemente das opiniões e interpretações dos especialistas.
Uma medida contestada
Miguel Uribe Turbay, pré-candidato à Presidência que foi baleado no sábado (07/06), é um crítico conhecido do decreto e de Petro.
Senador de oposição pelo partido Centro Democrático, ele gravou um vídeo para ser publicado assim que o presidente assinasse o decreto.
"Esse decreto vai contra a Constituição e coloca a democracia em risco. É um autogolpe de Estado", disse o senador em vídeo publicado em sua conta no X.
Muitos colombianos apontaram Petro e alguns setores da oposição como responsáveis por polarizar o debate político em que se inseriu o atentado contra Miguel Uribe.
Vicky Dávila, outra pré-candidata presidencial de direita, disse no X que "em meio à dor dos colombianos pelo crime contra Miguel Uribe e pela série de ataques terroristas no país [em referência a ataques recentes sem autoria confirmada no sudoeste da Colômbia], Gustavo Petro dá mais um passo contra a democracia."

O senador Miguel Uribe criticou a possibilidade de "decretaço" horas antes de ser baleado em público
Na terça-feira (10/06), por meio da plataforma De Justiça, um centro de estudos jurídicos e sociais em Bogotá, 24 organizações de vários espectros políticos também pediram ao presidente que se abstivesse de sua decisão.
"Estamos convencidos de que os mecanismos de participação cidadã, como a consulta, são uma expressão legítima da soberania popular (...) Contudo, convocar a consulta popular por decreto é uma decisão que se baseia em uma interpretação ilegal que desgasta a separação dos poderes", diz o comunicado.
"As possíveis irregularidades na recusa do Senado em convocar a consulta pública devem ser resolvidas por juízes competentes, e não pelo presidente", acrescenta o texto.
Em um contexto em que Petro perde apoio popular nas ruas e suas reformas não se concretizam, Bonilla acredita que o objetivo real do presidente é manter um ambiente político acirrado de olho nas próximas eleições.
"Quer impor sua agenda midiática no país e acho que isso ele já está conseguindo", disse Bonilla.
Na semana em que a Colômbia relembrou os piores momentos de violência política após o atentado contra Miguel Uribe, o debate, de fato, já voltou a girar em torno do presidente e suas manobras. Isso é irrefutável.
Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c5yknn8dkm6o